A Síndrome da Churrascaria

Os restaurantes mais populares, em praticamente todas as cidades brasileiras, são as churrascarias. O famoso espeto corrido atrai multidões todos os finais de semana, à procura da picanha perfeita, ou da costela derretendo de tão macia, dentre as incontáveis opções que são servidas como se o mundo fosse acabar amanhã. A coisa evoluiu a ponto de você encontrar nas churrascarias, veja só, sushi de altíssima qualidade. A oferta é tanta e tão veloz que é comum você sair zonzo lá de dentro (tá bom, a cerveja ajuda nisso). Lembro até hoje de um casal de amigos franceses que veio para o Brasil e, para impressioná-los, levei-os em um dos melhores rodízios da cidade. Odiaram! Eu já devia ter previsto, a última coisa que passa pela cabeça de um francês é comer sob pressão.

Em contraponto a essa tendência moderna, existem (cada vez menos) as churrascarias tradicionais. Na minha cidade tem uma que frequento desde antes de nascer, chamada Expedicionário. Você chega, escolhe a tua carne (um alcatra, por exemplo) e recebe o espeto na mesa, inteiro, só teu. E nada mais, além de uma salada simples, que passa longe dos sushis e conchigliones das churrascarias modernas.

Quando vou em uma churrascaria mais nova, antes ainda do meio da refeição olho os pratinhos no meio da mesa, conhecidos como cemitérios, e eles estão cheios de sobras de carne. São pedaços bons, mas não tão bons quanto a picanha novinha, primeiro corte, que acabaram de trazer. A cada nova oferta, algo é deixado de lado, geralmente ainda bom.

No Expedicionário não! A carne é tua, e só tua, mas não tem outra, a não ser que você pague por outra. E vou te contar amigo leitor, só sobra o osso porque dá vergonha de roer. Todas as partes da peça que está no espeto são boas, algumas melhores, algumas mais difíceis de cortar, algumas mais secas, outras mais malpassadas, mas todas muito boas. E não sobra nada.

É claro que a oferta é limitada no segundo caso, mas a qualidade da refeição é consideravelmente melhor. A coisa flui com mais tranquilidade, o desperdício é próximo a zero e o resultado final é muito melhor, afinal, você foi numa churrascaria e comeu churrasco.

Gosto de contar esta história quando estamos falando da gestão de fluxos em um sistema qualquer. Pode ser um sistema produtivo, um processo de vendas ou de desenvolvimento de novos produtos, tanto faz. A questão é que, para ter um ambiente com boa produtividade (global e não localmente falando), robusto e focado, não adianta inundar os processos de atividade. Um espeto por vez, até chegar no osso. Já vi ambientes onde cada elo de um processo está preocupado em receber logo o novo lote de atividades do elo anterior, mais do que dar conta das atividades que já estão ali. No paralelo com nossa metáfora, em um ambiente com grandes doses de estoques em processo (WIP), as pessoas se acostumam a comer o mignon. Se a carne estiver um pouco mais dura ou um pouco mais fria, eu espero o próximo espeto, porque sei que ele logo vem.

Já aconteceu comigo várias vezes de eu estar em uma churrascaria das novas, espetão corrido, e o serviço começar a ficar mais lento (estratégia normal das casas). Para a maioria das pessoas está tudo bem, já estão satisfeitas e ponto. Para o ogro que vos escreve, a fome continua firme e forte. O que eu faço? Com vergonha de reclamar e pedir para trazerem mais, começo a dar uma olhada nos pratinhos do meio da mesa. Sabe como é, aquele pedaço de cupim até que não está tão gorduroso quanto parecia. Aquele carré de carneiro ainda tem coisa para cutucar. Se me deixarem tempo o suficiente não sobra nada.

Dê uma olhada nos seus processos e calcule as oportunidades que existem de enxugar o WIP deles. Diminua os estoques (de serviço, de material, etc) até o ponto em que as pessoas não jogam nada fora, não deixam nada para depois. Não precisa deixar ninguém passar fome, claro, mas se você só servir mignon, vai criar um sistema preguiçoso, que não gosta de roer o osso e, pior, não sabe como faze-lo quando mais necessário.

Um Comentário em “A Síndrome da Churrascaria

  1. Realmente nunca tinha enxergado uma churrascaria por essa ótica, mas sabia que tinha algo subliminar pelo qual aquele ambiente não me agradava para uma boa refeição. Tenho que concordar com todos os pontos ali colocados e ainda talvez acrescentaria o fato do pós refeição que dá a falsa impressão de satisfação causada pelo “peso no estomago”, fadiga e sonolência. Talvez isso também possa ser remetido ao mundo corporativo onde quando você come a alcatra mas pensando na picanha que está por vir e sofre por ter que fazer algo que não gosta tanto assim porque sabe que tem algo melhor e pior, que alguém está fazendo aquele “algo melhor” que você prefere. A sensação deve ser bem parecida. Fadiga, cansaço, peso (talvez não no estomago mas no emocional). E se o comprometimento fosse de entregar realmente aquilo que se propôs a fazer será que seria como a churrascaria Expedicionário? Um tipo de carne por vez, uma prioridade por vez, com o mesmo propósito, foco no objetivo sem se perder entre os objetivos. =)

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